Depois de uma longa temporada de filmes alemães, de psicopatas, catástrofes e monstros assassinos, quando chega esta altura do ano, o cinema pós-jantar – aquele que é transmitido depois do almoço e cujo principal concorrente é, precisamente, o sono – volta-se para um género que enche os catálogos dos canais de televisão – e, cada vez mais, o das plataformas -: os filmes de Natal pós-jantar.
Como qualquer bom filme de fim de tarde, os filmes de Natal também se regem por códigos e padrões que se repetem ad nauseam e que os tornam previsíveis para que, no caso de o espetador ceder ao sono, ao acordar possa retomar o enredo sem dificuldade e confirmar o que já sabia que ia acontecer cinco minutos depois do início do filme.
Um desfile de aldeias encantadoras que provavelmente cheiram a bolinhos acabados de fazer, paisagens nevadas, presentes e casais – presumivelmente de classe média, brancos, heterossexuais e com sorrisos perfeitos – embrulhados em trajes a condizer em tons de verde e vermelho compõem esta colagem do catálogo de Natal.
Uma coleção que parece ser feita de “copy-paste” e que nos faz pensar se, no fundo, não são todos o mesmo filme – o que não nos impede de os ver, e até de os apreciar – e se existe uma relação direta entre a indústria do cinema de fim de noite e a indústria do stock de imagens.
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O responsável pelo @pelidetarde ( 48 mil seguidores), que por enquanto prefere não revelar a sua identidade “porque torna a conta mais engraçada”, não se limita a partilhar sinopses ou a transformar a atualidade num enredo cinematográfico de fim de noite à distância de um tweet: no seu blogue hom ónimo, já entrevistou Pilar Eyre, uma fã do género, ou Lluïsa Valldaura, a atriz de um conhecido anúncio de pasta de dentes.
A entrevista dos seus sonhos seria com Eric Roberts,“o irmão de Julia Roberts, que é o ídolo do espetáculo depois do jantar“. Tentou contactá-lo, mas para além de alguns “likes “, até agora não teve sucesso. No entanto, diz ela, já é um começo.
Como é que lhe surgiu a ideia de abrir uma conta para defender o género?
Sempre gostei de cinema e, há alguns anos, um amigo meu insistiu para que eu entrasse no Twitter. Vi que havia demasiadas contas de filmes e decidi concentrar-me nos filmes de fim de noite, que é um tipo de filme que toda a gente vê, embora ninguém reclame. Mais tarde, quando vi que tinha algum sucesso e que as pessoas gostavam dos meus comentários, decidi expandi-los um pouco mais no blogue.
Pode dizer-se que são de baixa qualidade, que são feitos como bolos quentes e que não são os típicos filmes que se trazem para um convívio com os amigos para mostrar os conhecimentos cinematográficos, mas a verdade é que toda a gente os vê ou dorme com a família, em dia de ressaca… e acho que merecem o seu espaço.
Quais são os ingredientes que um filme tem de ter para ser um filme perfeito para depois do jantar de Natal?
A chave é que o protagonista – bem, o protagonista na maioria dos casos – tem de ser alguém da cidade que está desencantado com o Natal e com o amor. Isso é fundamental: são pessoas que não acreditam no Natal. E, por alguma razão, têm de regressar a uma cidade por essa altura. Não tem de ser a sua própria cidade, mas normalmente é porque têm de visitar o pai, que está sozinho porque a mãe morreu, e têm de o ajudar na loja de árvores de Natal.
Por isso, regressam com relutância, pensando que vão passar apenas dois dias, mas algo – uma tempestade de neve, problemas com o carro – obriga-os a ficar mais tempo, reencontrando o seu amor de infância ou do liceu, que normalmente é um veterinário, e voltam a acreditar no Natal e no amor.
Essas cidades são como uma Vigo gigante [risos]: são obcecadas por luzes, pelo Natal, cumprem todos os protocolos natalícios… E, claro, a pobre protagonista não tem outra hipótese senão voltar a acreditar, porque é quase obrigada a isso.
E dentro disso há subgéneros…
Sim, de facto há bastantes. Nos Estados Unidos, não sei porque é que associam frequentemente o Natal à realeza. A certa altura há uma viagem à Europa e um príncipe conhece uma plebeia americana e apaixonam-se e casam no Natal.
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A troca de vidas também é comum: parentes que nunca se conheceram e que são idênticos cruzam-se num comboio e trocam de vida durante uma semana sem que as suas famílias se apercebam. Quero acreditar que se eu trocasse de vida com alguém parecido comigo, a minha família daria por isso [risos]. O que não existe é um subgénero de psicopatas no Natal. Ainda não foi explorado, mas seria bom, seria a fórmula perfeita: um tom de filme de Natal e, de repente, corre mal. Seria fantástico. Seria fantástico.
Cinco filmes de Natal de mesa imperdíveis para ver segundo @pelidetarde
1. Os filmes de “Lacey Chabert
Existe um sub-género em si mesmo que é“Lacey Chabert“. É uma atriz que participou em Mean Girls e é um género por si só: não consigo distinguir os seus filmes nem recomendar nenhum deles porque são todos exatamente iguais. Parece que ela está congelada criogenicamente durante o resto do ano e quando chega novembro é descongelada para atuar. Vive num Natal permanente rodeada de visco, árvores de Natal? Um filme de Lacey Chambert é, sem dúvida, imperdível.
Há certamente muito por onde escolher: desde “A Valsa de Natal” (“Uma mulher abandonada pelo noivo um mês antes do seu casamento de Natal decide continuar com as aulas para a sua dança nupcial”) ou “Tempo de irmos para casa no Natal” (“Cinco pessoas são misteriosamente convidadas para uma festa num albergue para celebrar o Natal. Com a ajuda do proprietário, Ben, Sarah descobre que estão ligados por um acontecimento do passado que pode mudar as suas vidas para sempre”) ou ‘Pride, Prejudice and Mistletoe‘ (“Darcy regressa a casa para as férias e encontra Luke, o seu antigo inimigo do liceu. Juntos, organizam uma festa de Natal e apercebem-se de que as primeiras impressões que tiveram um do outro podem não ter sido corretas”).
2. “Dolly Parton: Christmas on the Square” (2020)
Também não há falta de lançamentos de plataformas para os manter a chegar. Na verdade, no blogue do ano passado, discuti um que realmente me surpreendeu na Netflix: ‘Dolly Parton: Christmas in the Square’. O filme é protagonizado por Regina Fuller (interpretada por Christine Baranski), “uma mulher rica e desagradável que regressa à sua cidade natal após a morte do pai na véspera de Natal. O seu único objetivo é desocupar e vender as terras de que é proprietária”, lê-se na sinopse do filme no IMDb.
As plataformas mais populares estão a optar cada vez mais por estes filmes da noite de Natal, e Espanha não é exceção. Prova disso é que a Netflix estreia esta véspera de Natal ‘A 1.000 km de Navidad’, realizado por Álvaro Fernández Armero, com um elenco que inclui caras conhecidas – e reconhecidas – como Tamar Novas, Peter Vives, Andrea Ros e a recentemente falecida Verónica Forqué. Quanto aos cinemas, Fernando Colomo lançou em novembro passado “Cuidado con lo que deseas”, protagonizado por Dani Rovira, Cecilia Suárez – conhecida pelo seu papel de Paulina na série “La casa de las flores” -, Vicente Romero Sánchez e José Sacristán.
3. “Navidad de una adicta a los zapatos” (Natal de uma viciada em sapatos) (2018)
Outro bom é ‘A Shoe Addict’s Christmas’, é um filme muito louco que está no Prime Video. A sinopse no IMDb diz: “Noelle fica trancada numa loja de departamentos na véspera de Natal. Lá ela conhece uma mulher que se identifica como seu anjo da guarda e que a apresentará aos fantasmas de seus Natais passados, presentes e futuros”.
4. Recomendação bizarra: ‘Um Milagre de Natal do Karaté’ (2019)
https://www.youtube.com/watch?v=kYj4nZE89ww
Não quero deixar de recomendar um filme muito bizarro chamado ‘A karate Christmas Miracle’. Está no YouTube e não está legendado nem dobrado, mas é um dos filmes mais absurdos que já vi, e o Eric Roberts entra nele durante alguns segundos. É um filme sobre um rapaz que perde o pai em circunstâncias loucas e acredita que, se conseguir um cinturão negro em karaté antes do dia de Natal, o seu pai regressará dos mortos. É verdadeiramente um filme que, se as pessoas tiverem tempo e perceberem um pouco de inglês, devem ver uma vez na vida.
E ele não é a única pessoa que pensa assim: a crítica em destaque no IMDb dá-lhe um 10/10 e intitula-se “Tudo o que nunca soubeste que precisavas num filme – vai mudar a tua vida”.
5. A recomendação de um clássico: “E de repente, outra vida!” (2013)
Eu também recomendaria “E de repente, outra vida!” como um clássico imperdível. Uma das actrizes principais, Jennie Garth, esteve em ‘Feeling Like I’m Alive’, a telenovela adolescente dos anos 90. É também a imagem que tinha como avatar quando abri a conta: um amigo caricaturou-a para mim e agora é um desenho, mas é tirada deste filme, que cumpre todos os clichés dos filmes de Natal.
Talvez, como disse num artigo de Carmen López no S Moda,“a vida, no fundo, é um filme da tarde“. E que melhor maneira de passar a época festiva do que no sofá, sob o calor de uma manta, a ver – ou a dormir – um bom filme de Natal.